Veículo Elétrico Livre????



Este é um tema delicado. O que se segue é principalmente opinião pessoal, mas acredito que meus argumentos são razoáveis. Mencionei certa vez no grupo de veículos elétricos a idéia de um projeto livre. As reações foram as mais diversas, desde o apoio irrestrito até a oposição enfurecida. Acredito que este tipo de reação pode ser consequência de uma compreensão inapropriada do que seja um projeto livre, ou aberto. O termo "open source" (fonte aberta ou código aberto) normalmente é usado em associação a projetos livres. Tenho alguma experiência com o software livre, não como desenvolvedor mas como usuário e divulgador. Quando se fala em código aberto, a primeira coisa que normalmente nos vem à mente é o Linux. Isso devido ao sucesso que este sistema operacional alcançou no mercado. Parte deste sucesso deve-se ao fato de o Linux normalmente ser distribuido livremente, o que tem feito as pessoas confundirem software "livre" com software "gratis". Para piorar as coisas, o termo em inglês tanto para "gratis" como para "livre" é "free", o que ajudou um pouco a aumentar a confusão. Na verdade, é possível desenvolver um software livre e cobrar por ele. É o que faz por exemplo a RedHat ou a Novell. A diferença encontra-se no modelo como é feita essa cobrança. No modelo de software proprietário, o software nunca é transferido para a pessoa que o compra. Na verdade, o que é comercializado é uma licença de uso. É como se você fosse até uma loja e comprasse uma geladeira, mas a mesma continuasse propriedade do fabricante. Este poderia inclusive determinar que tipo de alimentos você pode ou não guardar na geladeira. Afinal, a geladeira não é sua. Parece absurdo? Mas é exatamente o que acontece hoje no mundo do software. E começa a surgir uma tendência de aplicar este princípio em outras áreas. Eu não gostaria que um fabricante de carros pudesse interferir sobre os locais eu posso ir com meu carro. Ou em que postos eu devo abastecê-lo.

Eu posso usar o meu carro para ir para onde eu quiser. Inclusive para aqueles locais para os quais o carro não foi projetado. Por conta e risco meus, é claro. Mas se eu precisar de manutenção, vou precisar que o fabricante me forneça peças de reposição e mão de obra especializada. Se eu quiser fazer o serviço eu mesmo e pedir ao fabricante informações técnicas sobre o carro, certamente terei problemas. Os fabricantes restringem esta informação para a sua própria rede de concessionárias. Quando eu levo meu carro a um mecânico que não é da concessionária, ou que nunca tenha trabalhado para uma, estou correndo um grande risco. E quanto mais moderno e "eletrônico" é o carro, maior o risco.

Vamos voltar para o Linux. Ele é um software "aberto", o que significa que o conjunto de instruções que compõem o seu código é de livre consulta e alteração. Se houver alguma característica de Linux que não me agradar ou que não atender as minhas necessidades, eu sou livre para alterar este código, desde que, é claro. eu tenha competência técnica para isso. Este tipo de alteração é simplesmente impossível em um software proprietário como o Windows. Isso porque o acesso ao código fonte é restrito (ou em outras palavras, proibido) e também porque o contrato de licença não o permite. Mas você pode pensar: "Tudo bem, eu estou pagando e esses caras vão cuidar para que tudo funcione bem". Infelizmente não é bem assim que as coisas funcionam. Vamos supor  que um usuário de Windows identifique um bug ou uma falha de segurança. Supondo-se que este usuário possua uma cópia legalizada de Windows (e nós sabemos que nem senpre as coisas são assim), ele entrará em contato com a Microsoft informando a natureza da falha encontrada e de que maneira ela está prejudicando a sua "experiência" com o Windows. Esse usuário pode ficar tranqulo, porque dentro de uns 6 meses, a Microsoft fornecerá uma atualização que corrige esta falha. Parece bacana, não? Mas no mundo Linux, em geral a pessoa que reporta o bug já propôe também a correção para o mesmo. E quando não propõe, outro desenvolvedor o faz em até 24 horas. O comitê do Linux avalia esta correção rapidamente e se for considerada eficaz e segura, ela fará parte da próxima atualização do kernel. Tudo isso é possivel por causa do trabalho comunitário, feito sem preocupação financeira ou sobre direitos autorais, mas com o único objetivo de manter o sistema operacional estavel e seguro. Outros softwares livres seguem processos semelhantes. O que podemos concluir desta experiência real é que não é a busca pelo lucro que promove o desenvolvimento, mas o trabalho da comunidade visando o bem comum. O mais curioso é que esta abordagem dá lucro, pois todos os que usam o sistema operacional profissionalmente podem contar com um produto de qualidade, e portanto podem oferecer um serviço de qualidade. Empresas gigantes com a IBM, Novell e SUN apoiam e usam o software livre.

Não quero que acreditem que eu defendo uma posição extremista com relação ao software livre. Reconheço que em alguns contextos, o uso de software proprietário pode ter algumas conveniências. Mas acredito que todos os nichos de mercado podem se beneficiar da abordagem livre. Inclusive aquelas não diretamente ligadas ao software, como projetos de engenharia. O caso dos veículos elétricos é emblemático.

Uma vez que ficou claro que veículo elétrico "livre" não é veiculo elétrico "gratis", descreverei por que acredito no conceito livre neste caso:

1. Exceto em casos raríssimos, os componentes de um veículo elétrico (ou de qualquer outro veículo) não estão sujeitos a patentes de invenção, apenas patentes de desenho industrial. Em outras palavras, os proncípios básicos de um veículo elétrico já são livres.

2. Como grande crescimento da comunidade de entusuastas de veículos elétricos, está surgindo um grupo de especialistas autodidatas, num processo semelhante ao que aconteceu com os microcomputadores no final dos anos 70 e início dos 80. Isso acontece porque não existem (por razões óbvias) cursos de formação de construtores de veículos elétricos. Estes especialistas tem mais condições de contribuir com um projeto viável do que os profissionais hoje na indústria, pois estes muitas vezes ainda estão presos ao paradigma dos motores a combustão.

3. Em virtude da situação de urgência em que se encontra a Terra quanto a necessidade de redução drástica nas emisões de carbono, é imprescindível apressar o desenvolvimento de um projeto de carro elétrico viável, seguro e que represente um padrão de mercado e um consenso. Não acredito que no atual modelo, com as montadoras competindo entre sí, sem compartilhar informação e presas ao paradigma do petróleo, esta meta possa ser atingida.

4. Um modelo de desenvolvimento livre permite que empresas menores entrem no mercado automotivo como fabricantes em igualdade de condições, pelo menos no que se refere a tecnologia. Às vezes me pergunto por que não existe nenhum fabricante de automóveis nacional, ja que a China e a Coreia possuem vários? Nas terras tupiniquins, a única tentativa relativamente bem sucedida foi a Gurgel, que todos nós sabemos foi sabotada pelos interesses econômicos da época. A pergunta é, se fabricamos aviões de primeira linha, por que o mesmo não acontece com automóveis? Acho que é porque perdemos o "bonde" da tecnologia. Vejo os veículos elétricos como uma forma de redenção para a indústria nacional.

Uma das vantagens do modelo de desenvolvimento livre é a capacidade de estabelecer consensos. Somente com a união da indústria, governos, empresas de energia e desenvolvedores independentes é que será possível estabelecer um padrão viável de veículo elétrico. Este padrão é necessário para que uma política de energia que leve em conta os VEs seja estabelecida. Assuntos como fontes de energia, geração, transmissão, distribuição, abastecimento, fabricação e manutenção devem ser discutidos de forma ampla e democrática. Mas se o debate for deixado a sí mesmo, pode levar dezenas de anos para que se chegue ao consenso. Não dispomos de dezenas de anos. Talvez não disponhamos nem mesmo de uma única dezena.

Assim como vimos as "grandes", como IBM e Novell abraçarem o software livre, talvez possamos assistir outras "grandes" como GM e Toyota abraçando o "Elétrico Livre"

Para saber mais:

Linux BR
Projeto Ubuntu
Creative Commons
Fiat Mio

Comentários

  1. Gilvan, muito bem colocado essa questão do carro elétrico livre! Esse processo é irreversível e já observamos nos países mais desenvolvidos, tanto na conversão dos carros ja produzidos como no surgimento de projetos independentes de montadoras, o veículo elétrico veio pra revolucionar! Só temo pelo fator tributário, esse vem causando danos irreparáveis ao setor de veiculos, mais especificamente auto peças, os governos estaduais que implantaram substituição tributária em varios setores da economia, antecipam e presumem tanto o lucro como o tributo em si, isso zerou o caixa das empresas justo em um ano de crise! Alem de aumentar em 20% a carga de tributos... Se não fosse pelos impostos de importação ja teria convertido uns 3 carros aqui!! A questão ambiental é uma ferramenta poderosa pra reverter essa situação e nos libertar dessa escravidão tributária, ou pelo menos começar a conscientizar nossa sociedade e assim pressionar o Governo e o Legislativo a investir não só na questão do carro elétrico como tambem do desenvolvimento tecnologico nacional!! Parabéns pelo blog!!

    ResponderExcluir
  2. Fernando, obrigado pelos seus comentários. Infelizmente vivemos em um país onde se tributa antes de se lucrar. Além de ser provavelmente o único país que cobra imposto por emprego gerado. Essas políticas burras realmente inibem o empreendorismo e matam as empresas jovens "no ninho". E se houver alguma inovação tecnológica, é pior ainda.
    Acredito que o modelo livre é o único que pode dar alguma chance para os pequenos empresários.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Elétrico ou Etanol? O Melhor de Dois Mundos.

Gaia, mudança climática e retirada sustentável